terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fodidos e mal pagos *

Para quem recebeu a alcunha de “do vazio”, até que esta Bienal está rendendo alguma coisa. Primeiro foi o show do Fischerspooner, no domingo pós TIM Festival (este sim vazio, aliás).

Agora surge uma bela seleção de filmes, com destaque para alguns sobre música. No último domingo (16/11) foi a estréia, com três sessões de Instrument, documentário que acompanha a trajetória da seminal Fugazi. O seminal aqui não é adjetivo-clichê de crítico preguiçoso, pois a banda acabou responsável pela criação de um movimento, o straight-edge, mesmo que involuntariamente.

De início (o grupo surge nos idos de 1987) uma banda de hardcore, o som evolui ao longo dos discos para algo mais amplo, experimental, um pós-hardcore, para os que não vivem sem um rótulo. E por dez anos o diretor Jem Cohen acompanha esta evolução em um estilo similar ao da banda, sem explicar muita coisa, em grande parte apenas registrando os sons e as imagens. A opção se mostra bastante acertada. Por diversas vezes pessoas nas filas dos shows são mostradas, apenas imagens, nada de entrevistas. Aqueles rostos, aqueles tipos, bastam por si mesmos como registro do tipo de público que a banda atrai. Quando finalmente o diretor resolve ouvi-los, pouca coisa coerente se salva.

Uma banda tão atípica como o Fugazi só poderia ganhar uma sessão igualmente fora do comum. Projetado no terceiro andar da Bienal, os visitantes entravam na sala, ficavam por alguns segundos expostos ao som pouco palatável da banda e iam embora. Além de mim, apenas uma garota assistiu do começo ao fim.

* Fugazi é a junção das primeiras letras de Fucked Up, Got Ambushed, Zipped In, uma gíria usada pelos italianos na 2ª Guerra e reutilizada pelos americanos no Vietnã que quer dizer algo como “fudeu, emboscada, foi pro saco”.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Acelerados

É a porta dos desesperados: você troca o festival Planeta Terra, com suas zilhões de atrações ocorrendo simultaneamente, pelo show do R.E.M.? Siiim! (Bom, neste caso, o TIM seria aquele cara vestido de macaco que saía assustando a molecada de uma das portas).

Se o PT mais uma vez pecou por fazer seu público perder shows imperdíveis (Rapture ou Devo em 2007, Foals ou The Jesus and Mary Chain em 2008) com seu esquema de shows simultâneos, e algumas bandas cuja expectativa era alta deixaram um pouco a desejar, caso do próprio JAMC, além de Bloc Party, o R.E.M. apresentou nesta terça (11/11) em São Paulo talvez o melhor show do ano.

Mesclando músicas do novo álbum, Accelerate, com clássicos como Orange Crush, It’s The End of The World as We Know It (And I Feel Fine), Losing my Religion e What's the Frequency, Kenneth?, a banda mostrou uma apresentação vigorosa e intensa, diferente do modo burocrático como tocou o JAMC, por exemplo. Prova de que, independente da idade, é possível manter a vontade e o tesão pela música.

Só por momentos como Everybody Hurts, cantada em uníssono pelos 6 mil presentes, já valeria a pena. Após duas horas, o show termina com Man on the Moon. Foi mais fácil o homem chegar à Lua do que o R.E.M. a São Paulo. Mas a espera foi plenamente recompensada.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Adolescentes fluorescentes – “Arctic Monkeys at The Apollo”

Se Walter Benjamin (1892-1940) tivesse nascido uns anos mais tarde, poderia ter desenvolvido sua teoria a respeito da aura ao assistir a "Arctic Monkeys at The Apollo", filme que retrata o último show da turnê do grupo inglês, ocorrido em 17 de dezembro de 2007. Assistir a um show ao vivo é uma experiência única, catártica muitas vezes, impossível de se reproduzir por meio de um filme. Quem vê um show gravado tem a mesma sensação de quem assiste a um jogo na TV ou a um filme pornô. Até que é legal, mas o bom mesmo seria estar lá.

Se a comparação filme/show ao vivo é injusta com o primeiro, resta então analisar a obra pelo que é. Para azar de "Arctic Monkeys at The Apollo", também sobre este prisma ele sai perdendo. Pois “...at The Apollo” não difere em nada de qualquer DVD de show encontrado aos montes hoje em dia. Faltou a Richard Ayoade, que assina a obra, arriscar mais. Filmado em 16 mm, poderia ter se aproximado mais do cinema, utilizado ângulos menos óbvios, recursos originais, enfim, entregar mais do que simplesmente imagens da banda em ação. O que se salva é a bela iluminação, muitas vezes escura no geral, com luz apenas nos garotos da banda. “Adolescentes fluorescentes”, parece evocar a luz. Mas fica só nisso. Se bem que, para a geração YouTube, acostumada que está com imagens de shows pixeladas e tremidas, assistir a 76 minutos de bons sons e imagens nítidas não deixa de ser um alívio.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Art Bitch

Para a “Bienal do vazio”, até que estava bem cheio. Uma fila quilométrica saía da porta da Bienal à espera de uma performance artística. Os artistas em questão eram a dupla de eletrônica Fischerspooner. Dançarinas, vídeos, luzes, roupas extravagantes. Arte moderna. Mas, por trás disso tudo, o que se viu na noite de domingo no prédio da Bienal foi nada mais do que um bom show de eletro-rock. Sorte do público. Casey Spooner se vê como um performer, mais do que um vocalista, mas sua performance não passou de briguinhas ensaiadas com uma dançarina, a quem obrigou dar uma ajeitada no cabelo. Warren Fischer, alheio aos estrelismos do parceiro, é o grande responsável pela massa sonora e pelas batidas do som da dupla. Com um set curto (pouco mais de uma hora), isso depois do público ter de implorar por um bis, já que o vocalista queria ir embora logo para alguma festa pós-show, eles mandam novamente Emerge, o maior hit do Fischerspooner e uma ótima música de pista. Para artistas performáticos, o Fischerspooner se sai como uma ótima dupla eletrônica.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Lição de casa

Depois da escola foi pensado inicialmente pelo diretor e roteirista Antonio Campos como uma metáfora ao 11/09. Duas gêmeas morrem em um colégio, gerando comportamentos paranóicos e controle rígido sobre os alunos por parte da direção. As semelhanças com a paranóia americana e a lei de exceção baixada por Bush não são mera coincidência.

Mas o filme não fica só nisso, funcionando independentemente das torres, sendo a história de como a morte das meninas foi encarada por todos. Robert, aluno-problema, é incumbido da tarefa de gravar uma homenagem às vítimas.

E aí entra a metalinguagem, já que Robert é o retrato de ninguém mais se não Campos. Assim como o diretor que lhe dá vida, o garoto opta por uma câmera que foge dos ângulos óbvios e uma edição distante do lugar-comum, culminando em um filme ao mesmo tempo singelo e político, pois mostra como muitas vezes as lágrimas e depoimentos emocionados são previamente ensaiados.

A visão de Robert sobre as gêmeas é rechaçada. “Nem tem música”, protesta o professor (ou diretor da escola, enfim, o produtor/estúdio do vídeo), que manda reeditar tudo. Resulta da mesma maneira que um filme qualquer sobre as vítimas do WTC: piegas e irrelevante. Tudo o que Depois da escola não é.

Quando: 30/10, quinta-feira, 21:50
Onde: CineSesc (32ª Mostra Internacional de Cinema)
Mais info: http://www.mostra.org/32/exib_filme.php?filme=40

Não é mais 1992 (mas parece)

"Não estamos mais em 1992", gritou Mark Arm, vocalista do Mudhoney, sexta passada (17/10) na Clash, após dezenas de moshs terminarem em quedas no extenso vão entre o público e o palco (um pé sobrou nos meu óculos, uma lente quebrou, mas quem se importa?).

Não é mais 1992, mas algum incauto bem que poderia confundir a São Paulo atual com a Seattle da época do grunge. Se não vejamos: tivemos nos últimos tempos shows dos Melvins, do Mudhoney, Stone Temple Pilots anunciado e depois cancelado e vem aí The Vaselines, que não é da chuvosa cidade americana (quase, são da Escócia), mas uma das bandas prediletas de Kurt Cobain, que fez questão de gravar diversas covers da banda, como Son of a Gun e Molly's Lips.

O show do Mudhoney (terceiro que vejo, só perdi quando abriram para o Pearl Jam) é de uma intensidade absurda, catártico mesmo. Não só em Touch me I'm sick, mas durante todas as músicas o público enlouquece. When tomorrow hits, Who you drivin' now, Good Enough, Hate the police (não necessariamente nesta mesma ordem), estavam todas lá. Faltou Into the drink. Mas tudo bem. Eles voltam.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Calvin e Haroldo, clique na figura para aumentar




Now I wanna sniff some glue

Para quem já andou pelo centro de São Paulo, não devem chocar as cenas de “A Vendedora de Rosas”. Cenas de crianças cheirando cola tomam quase que a totalidade do filme, de roteiro piegas e direção beirando o apelativo. Se a intenção era denunciar a realidade de crianças de rua colombianas (país de origem do filme) ou, em última instância, latino-americanas, alguém deveria avisar o diretor Victor Gaviria de que, apenas para usar um clichê, assim como o amontoado de que ele se utiliza, de boas intenções o inferno está cheio.

Heroin, its my wife and its my life...

“O Desespero de Veronika Voss”, de Rainer Werner Fassbinder, presta tributo a “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder. Mas não fica só nisso, com a história de uma atriz de cinema decadente que hoje vive em um hospício, onde alimenta seu vício por morfina. Até que um jornalista cruza seu caminho e descobre que o buraco em que a atriz se enfiou é mais embaixo. Com movimentos de câmera que por diversas vezes prendem e enclausuram seus personagens, Fassbinder nos dá a medida certa da angústia deste mundo, não só o das drogas, mas de um mundo que coloca o dinheiro acima mesmo da vida humana.

Sobre café e cigarros

“O Natimorto – Um Musical Silencioso” surpreende pela leveza. Em se tratando de um texto de Lourenço Mutarelli, autor conhecido por obras que beiram o surreal, adaptado por Mário Bortolotto, dramaturgo que costuma retratar personagens deslocados e perdedores, a peça atinge um grau cômico inesperado. Talvez tenha sido a saída perfeita para abordar a história de um obcecado pelos avisos antifumo das caixas de cigarro, que decide se isolar em um quarto de hotel juntamente com uma cantora cuja voz, de tão pura, somente ele consegue ouvir. O tom é claramente autobiográfico e o final não deixa margem alguma para uma visão otimista da sociedade. O Ministério da Saúde adverte: viver é muito perigoso.