quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Bortolotto ri de playboys que se acham grande coisa

Duas garrafas de cerveja, um livro dos Malvados e uma coletânea do Iggy Pop na cabeça, fui assistir Será que a gente influencia o Caetano, assinada por Bortolotto e dirigida por Henrique Stroeter e Claudinei Brandão. Diferente da maioria das peças do dramaturgo, que transbordam melancolia, essa aqui vai pelo caminho da caricatura e do escracho. Mas o destino final é o mesmo, a mais pura fotografia de uma geração perdida. O triste é constatar que o texto, de 1985, tirando uma ou outra adaptação aos novos tempos (NX Zero e My Chemical Romance, cada geração tem os ídolos que merece), mantém-se extremamente atual.

O cenário é zero. Nem as fatídicas mesinhas lotadas de garrafas, que fazem parte da maioria das peças do autor, estão presentes aqui (justiça seja feita, em uma cena os personagens dão um tapa numa long neck). Isso dá espaço para que Alexandre Bamba e Mario Mathias brilhem nos papeis de dois losers, dois playboys que, no entanto, acham que são grandes artistas (um músico e um poeta). O sonho dos dois é conquistar a fama e, quem sabe até, fazer uma música que influencie Caetano Veloso (outra triste constatação, ainda hoje a figura de Veloso continua atual).

A quantidade de referências mezzo pop mezzo kitsch faria inveja a Tarantino. Impagável a cena em que os dois dançam Serginho Mallandro. Ídolos (o programa trash), emo, MPB, garotas de cursinho, garotas de faculdade. Tudo vira piada e transborda acidez no texto de Bortolloto. Como diria Gil Vicente, é rindo que se critica. Ou como diria o povo, é rir pra não chorar.

Será que a gente influencia o Caetano?
Onde: Espaço Parlapatões - Praça Franklin Roosevelt, 158, Consolação
Quando: quintas, 21h; sábados, 23h59. Até 28/02.
Quanto: R$ 20,00.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Casamento de Rachel mostra deslocamento de ex-viciada

É de deslocamento que nos fala Jonathan Demme em O casamento de Rachel. Porque é assim que Kym, personagem de Anne Hathaway (indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel) se sente durante grande parte do filme. Kym volta para casa bem a tempo do casamento da irmã, Rachel. O problema é que ela não estava de férias, mas sim internada em uma clínica de reabilitação.

A partir daí, a câmera de Jonathan Demme (que evoca uma câmera caseira, como se víssemos um vídeo de casamento) e os olhos de todos se voltam para Kym. Logo quando ela chega em casa, alguém a reconhece e pergunta se ela não tem “unzinho” pra arrumar. Assim como acontece com ex-detentos, é difícil se livrar da fama de junkie, mesmo para quem está limpo como Kym.

Mas aos poucos o castelo de cartas da família vai caindo, e vemos que não é só no personagem de Hathaway que se concentram os problemas. Se ela é a ovelha negra, o resto do rebanho não é tão branquinho como parece. O pai se preocupa de maneira obsessiva com a filha, a irmã só se preocupa com o casamento, a mãe (divorciada) é ausente, etc.

Assim como em O silêncio dos inocentes e Filadélfia, filmes mais conhecidos de Demme, o protagonista é uma outsider, uma deslocada, uma gauche. Ela simplesmente não se encaixa no meio em que vive. Não por acaso, um dos poucos com quem consegue estabelecer uma relação é com o padrinho, que por acaso faz parte do mesmo grupo de reabilitação que frequenta.

Em muitos aspectos O Casamento de Rachel lembra Feliz Natal, de Selton Mello, que por sua vez lembra os filmes de Cassavetes. Um ente problemático que retorna ao lar, para uma família que, por trás das aparências, também desmorona.

Beleza em meio ao caos de São Paulo

Se a intenção da mostra 300mm, em cartaz no Instituto Cervantes, era recriar o clima da caótica São Paulo, conseguiu. Perto da gravação em espanhol repetida ad nauseum com informações sobre a cidade, o clima da hora do rush da Avenida Paulista, onde fica o Instituto, torna-se quase bucólico.

Mas a despeito do caráter de instalação, a exposição é bem feita e significativa. Diversos aparelhos de televisão de um lado, escadas no meio e imagens projetadas do outro mostram fotografias de São Paulo que apontam a diversidade da capital. Em uma das projeções, imagens de Bob Wolfenson e Tuca Vieira (infelizmente não é discriminado de quem é cada foto) de uma São Paulo ao mesmo tempo caótica e bela. Wolfenson e Vieira conseguem enxergar a beleza (em um simples arco-íris, por exemplo) por trás de elementos tão odiados pelo paulistano, como o trânsito e a superpopulação.

Na projeção do meio, primeiramente são mostradas fotografias de Filipe Berndt, do bairro da Bela Vista, mais especificamente de uma academia montada debaixo de um viaduto, voltada principalmente ao boxe. Berndt, assim como já o fizeram Scorsese e Eastwood no cinema, descortina o que há de belo em um esporte visto muitas vezes apenas como violento. Outra série apresenta a arte urbana tão presente (e tão polêmica) em São Paulo, em imagens de Ignacio Aronovich.

Primeiro a pixação, depois o grafitti. Mas um tipo especial de grafitti, feito no subterrâneo, nas galerias pluviais, por Zezão, que chama a atenção com seus ícones abstratos para o lixo que a cidade produz e prefere esconder. Um dos televisores apresenta um vídeo do mesmo Aronovich sobre o trabalho de Zezão.

A última das projeções contrasta com as demais, por mostrar uma São Paulo em preto e branco, vista de cima, com ar antigo e romântico. Daria até para esquecer um pouco do caos, se não fosse a gravação em repetição contínua, de enlouquecer. Como, muitas vezes, a própria São Paulo.

Onde: Instituto Cervantes - Avenida Paulista nº 2.439
Quando: até 21/02 - segunda-feira das 08h às 20h; terça à sexta das 08h às 21h. Sábado das 09h às 15h.
Quanto: grátis