segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Há que se concordar com Tarantino: Bastardos Inglórios é seu melhor trabalho

Em recente entrevista, Quentin Tarantino disse que, com a cena inicial de Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, no original, com a grafia de Bastards propositalmente errada), superou aquela que acreditava sua melhor cena até então: a do interrogatório em Amor à Queima Roupa (curioso que ele estime tanto a cena, e ele deve se referir ao roteiro apenas, já que, no passado, deixou claro sua insatisfação com o tratamento que seu texto recebeu de Tony Scott).

Na cena em questão, Dennis Hopper, na pele do personagem Clifford Worley, pai de Clarence Worley (interpretado por Christian Slater), é interrogado pelo gângster Vincenzo Coccotti, irrepreensivelmente interpretado por Christopher Walken, que está em busca de uma mala cheia de cocaína roubada pelo filho de seu interrogado. Interrogado é um modo sutil de dizer, já que Worley está, como se poderia presumir, sendo espancado para que entregue seu filho.

Em meio à sessão de tortura, Worley, audaciosamente (ou quem sabe já prevendo seu fim), pede um cigarro a seu algoz e desata a lhe contar a história de seus antepassados; como o sobrenome denuncia, Coccotti é italiano, siciliano, mais precisamente. E os sicilianos, como conta Worley, carregam olhos e cabelos escuros hoje em dia após inúmeras relações entre seus antepassados italianos e os mouros (que, nas palavras de um sarcástico Worley, não deixam de ser negros; conclusão: Coccotti tem sangue negro nas veias). É obvio que Worley é morto por Coccotti, mas isso não importa, pois ele já empreendeu sua vingança.

Na cena que abre seu mais recente filme, outro interrogatório se trava. Desta vez, entre um oficial nazista, um Caçador de Judeus, como é conhecido, e um francês acusado de esconder judeus em sua casa. Christoph Waltz, o oficial nazista Hans Landa, não faz vergonha a seu quase xará Christopher da cena acima citada e domina o filme magistralmente. Outro interrogatório, outra vingança. Mas, neste caso, ela virá ao final.

Inglourious Basterds terá outros “interrogatórios”. Afinal de contas, estamos na época da Segunda Guerra e os inimigos podem estar escondidos, disfarçados em qualquer lugar. Assim como a primeira, estas cenas são dos pontos altos do filme, permitindo a seus atores travarem duelos verbais de extrema grandeza, tão fortes quanto os duelos de espadas e outras armas vistos em Kill Bill, outro dos filmes do diretor.

Mas, em se tratando de Tarantino, não é apenas com diálogos que se preenche as mais de duas horas de projeção (153 minutos, para sermos exatos). Há a sua já famosa violência esteticamente forte e, ao mesmo tempo, pop, já que, de tão exagerada, beira o absurdo das histórias em quadrinho. Os Bastardos Inglórios do título protagonizam a maioria delas, já que se trata de um grupo de oficiais judeus americanos que vai à Alemanha com um só propósito: matar o maior número possível de nazistas. Seu líder é o tenente Aldo Raine (Brad Pitt, que pode colocar este em sua prateleira de papéis marcantes, como o Tyler Durden de Clube da Luta e o Mickey O'Neil de Snatch e que, coincidentemente, fez uma ótima ponta como um viciado – sem trocadilhos – em Amor à Queima Roupa). O fato é que Raine faz questão de que cada um de seus homens lhe traga uma singela lembrança: cem escalpos nazistas, a parte de cima, que cobre o cérebro, de suas vítimas (curiosidade: existe um personagem da Marvel, do universo dos X-Men, com a mesma mania, o Caçador de Escalpos, também ele um oficial americano da Segunda Guerra).

Existem diversas leituras, camadas, tramas e sub-tramas em Bastardos Inglórios. O filme é uma ode ao western (como visto já na abertura e em outros momentos), a quem Tarantino deve tanto, principalmente na sua faceta Spaguetti e explicitamente a Sergio Leone. Mais do que ao western, é uma ode ao cinema, pano de fundo e figura central onde se desenrola parte considerável e o clímax do filme. O diretor aproveita também para se dar ao prazer de ser auto-referencial. O que é a cena do strudel se não uma citação da cena do milk shake de cinco dólares presente em Pulp Fiction? E o tenente Aldo Raine, que nos faz lembrar o Jules Winnfield do mesmo Pulp Fiction, ao citar sempre o mesmo texto antes de atacar suas vítimas?

O fato é que, ao mesmo tempo em que homenageia a história do cinema (não só o alemão, mas este explicitamente citado), Tarantino se dá ao luxo de aludir a si mesmo, como quem faz uma piada interna. O que poderia passar por megalomania em um diretor menor, é permitido a Tarantino após este filme. Com Bastardos Inglórios, ele atinge o patamar de seus ídolos e responde a quem via nele apenas um pastiche de outros diretores. Há que se concordar com Tarantino: Bastardos Inglórios é seu melhor trabalho.

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